Violência Doméstica I:Era um homem normal...


Há poucos dias, um homem matou à catanada a mulher, a filha e a neta. A notícia chocou o país. Não foi caso para menos.
Hoje, o suposto homicida suicidou-se na prisão.
Os dados divulgados pela comunicação social não permitem, por agora, uma completa compreensão do caso. Mas, daquilo que saiu à luz, sobram temas para reflexão.
Não me interessa agora, embora a emoção o peça, centrarme neste caso. Aliás, o que escrevo a seguir não deriva deste caso, embora motivado por ele.  Quero apenas chamar a atenção para três pontos importantes, que conto desenvolver aqui.
1. Parece que estamos perante um caso que entrará nas estatísticas da violência de género. Não é apenas isso. Mas também o é. Todos os anos algumas dezenas de mulheres morrem às mãos dos maridos ou companheiros no nosso país. E são apenas a pequenísssima parte dos casos de violência doméstica, sofrida por milhares de mulheres diariamente. Por cada morte publicitada nos jornais, há dezenas de milhares de casos reais, feitos de insultos, bofetadas e autênticos espancamentos selvagens. O crime é público (qualquer um o pode denunciar), mas a tradição é de “não meter a colher”. Até quando?
2. Há indícios, neste caso, de ter havido abuso sexual do sujeito sobre a sua filha.  Infelizmente não é caso isolado, nem excepcional, embora não tenha de coexistir. Mas a maioria dos casos de abuso são cometidos no contexto familiar.
3. Era um tipo normal... É, talvez, a maior das ironias sempre presente na divulgação de tragédias deste tipo. Os vizinhos, boquiabertos, aparecem sempre a dizer que nada fazia prever. “Era um homem simpático”, “Todos o conheciamos e estimávamos!”; “Pareciam uma família normal...”. Os abusadores e maltratadores são homens aparentemente normais. Não têm cara esquisita, comportamentos públicos excêntricos, nem se distinguem dos outros todos na vida pública. O que os caracteriza é o comportamento patológico e criminoso na esfera privada.
E, no fundo, isto não pode surpreender-nos tanto assim. Afinal, quantos casos de violência doméstica conhecemos? Sabemos, ou não sabemos, que há mulheres, nossas conhecidas, amigas ou vizinhas que levam “porrada” de vez em quando? Quantos casos conhecemos de violência recorrente, dia após dia; ano após ano? E achamos que é coisa “do casal”, em que não devemos “meter a colher”. Até ao dia em que nos perguntem: “Conhecia o assassino?”

5 comentários:

  1. Cuantas cosas por cambiar en la sociedad...
    Cuanta necesidad de proteger a todas las mujeres que viven en estas situaciones...
    Cuantas más tendran que pasar por esto???

    Cuanta verdad hay en tus palabras.

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    1. Vanesa! Me alegro de verte por aquí :)
      Los numeros de la violencia de género en Portugal son peores todavia que en España. De hecho, todos los años mueren casi tantas mujeres aqui, como ahí, siendo que tenemos un cuarto de la población... Y el tema sigue muy oculto. Demasiado oculto...

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  2. Não tenho dados para quantificar, mas a influência da Igreja Católica não é alheia a esta realidade. Na forma como situa o papel da mulher na família.

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  3. Olá Maria "Jardineira",

    Entendo o que dizes. E lamento que o discurso da Igreja não se demarque mais claramente do "caldo cultural" que ajuda a manter a mentalidade patriarcal e as subtis manifestações de machismo entranhado no quotidiano.
    Mas também me parece que esse tal caldo de cultivo não pode ser entendido, nos dias que correm, como desculpa para nada.

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  4. Para que conste: agrada-me o "Maria jardineira". :)um beijinho por ele.

    Não te esqueças que "os dias que correm" são diferentes para as diversas gerações de mulheres. Embora, e isso faz-me pasmar, a violência doméstica atravesse as diferentes gerações. Questão de mau testemunho?

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