Após os
atentados em Paris, houve uma enorme onda de solidariedade e apoio às vítimas
do Charlie Hebdo. A frase “Je suis
Charlie” assumiu-se como slogan e bandeira. Esse grito de protesto e de
afirmação da liberdade foi amplificado por razões fáceis de compreender: os
factos ocorreram no coração de um dos grandes países europeus e num meio de
comunicação social. Ser no primeiro mundo e atacar directamente os mídia gerou,
naturalmente, uma reacção que dificilmente ocorreria se o massacre tivesse
ocorrido num supermercado na Nigéria.
Não demorou
muito tempo até que os “mas” viessem ao de cima. E os “mas” de muita gente têm
a ver com o facto de o jornal em causa ser um periódico satírico que faz da
ridicularização das convicções alheias um modo de vida. Timidamente, primeiro,
e com voz mais grossa à medida que os dias vão passando, começou a expressar-se
uma ideia previsível: “Os tipos puseram-se a jeito; estavam a pedi-las”…
Esta ideia é perigosa.
E completamente desapropriada perante os factos.
O Charlie Hebdo
é um pasquim execrável. Mas os “Charlies Hebdos” deste mundo são o preço a
pagar pela liberdade de expressão. E convenhamos que são preço de saldo. Podem
ser injustos, atrevidos, mal criados, ofensivos… mas são apenas uma excrescência
natural de um valor fundamental que é a liberdade. E esse deve ser defendido a
todo o custo. E esse é uma das grandes conquistas civilizacionais do Ocidente.
E a liberdade vale muito mais que a falta de bom senso que possa haver em
alguns “Charlies Hebdos”. Perante a falta de tacto eu mantenho a liberdade: não
compro jornais de que não gosto, não convido gente estúpida para jantar e, se
for o caso, recorro aos tribunais para dirimir conflitos.
Não há meia
liberdade de expressão. Ou há, ou não há. Amordaçar quem usa mal a liberdade de
expressão, é minar o futuro. E, no contexto em causa, é abrir portas ao medo. Ser defensor da liberdade é, precisamente, aceitar que haja gente que pensa diferente de mim e que, eventualmente, até me pode ofender.
Por outro lado,
quem agarra numa arma para matar à bruta uma redacção inteira, está num patamar
de selvajaria completamente diferente. Não pode haver contemporizações. Não
pode haver “mas”. Só pode haver firmeza das forças de segurança e uma acção
implacável do sistema de justiça. Por sinal, uma justiça situada num estado de
direito, que tem por missão proteger e garantir a liberdade individual.
Por isso, sim:
Je suis Charlie!
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